Artigo FMP – Modulo 2
Por Victória Peixoto
O presente trabalho visa analisar a possibilidade da fixação de uma determinada indenização pecuniária decorrente do abandono afetivo inverso, ou seja, quando os filhos abandonam os seus pais na velhice.
Entende-se por abandono afetivo inverso a inação do afeto e cuidado, sendo este reconhecido como um dever jurídico a ser obedecido e previsto na Constituição Federal de 1988. O abandono afetivo se dá pelo desvio do valor jurídico imaterial e moral, o qual faz parte da base de segurança e solidariedade familiar.
A importância dessa análise se dá pelo fato de que atualmente o aumento da população idosa no Brasil tem sido pauta de muitas discussões. O IBGE [1] já demonstrou que o número de idosos cresceu 18% em cinco anos e ultrapassou trinta milhões em 2017. Claro que não podemos esquecer da situação pandêmica que assolou o mundo e fez com que afetasse esse número. Porém, essas informações servem para alertar a sociedade de que são de extrema necessidade os avanços em relação às políticas públicas de proteção ao idoso.
Ultrapassando esses pontos conceituais e contextuais, é imprescindível discorrer sobre o instituto da responsabilidade civil. A doutrinadora Maria Helena Diniz [2] define a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obrigam uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causada a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde ou por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
Ainda, é preciso estabelecer os pressupostos da responsabilidade civil, que são: conduta (ação ou omissão), culpa (se houver), nexo de causalidade e danos. Se houver a presença desses pressupostos, é possível responsabilizar civilmente alguém.
Com relação à responsabilidade civil ser aplicada no âmbito do direito de família, discorre Alexandre Miguel:
A obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito absoluto também é aplicável ao direito de família. Não se pode negar a importância da responsabilidade civil que invade todos os domínios de ciência jurídica, e, tendo ramificações em diversas áreas do direito, é de se destacar, dentro das relações de natureza privada, aquelas de família, em que igualmente devem ser aplicados os princípios da responsabilidade civil [3].
Portanto, nos casos de abandono afetivo inverso, há a presença desses pressupostos, pois os filhos não são apenas responsáveis pelo abandono material dos pais, mas também pelo abandono moral.
O dano maior que pode haver ao abandonar uma pessoa idosa é o abandono psíquico, afetivo e moral. Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira:
O abandono material não é o pior, mesmo porque o Direito tenta remediar essa falta, oferecendo alguns mecanismos de cobrança e sanção aos pais abandônicos. O Código Penal, por exemplo, tipifica como crime o abandono material e intelectual (arts. 244/246) e a lei civil estabelece pena de penhora e/ou prisão para os devedores de pensão alimentícia. O mais grave é mesmo o abandono psíquico e afetivo, a não-presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção.
Ainda, o ordenamento jurídico exige elementos comprobatórios para que se caracterize o abandono afetivo, sendo indispensável que as provas sejam feitas através dos estudos da psicologia, a fim de que se faça uma análise profunda dos danos causados pelo suposto abandono, evitando, assim, a banalização do afeto.
Portanto, é preciso averiguar três fatos: i) se há efetivamente um dano moral sofrido pelo ente abandonado afetivamente, devendo ser comprovado; ii) se este dano sofrido decorreu de uma ofensa à um interesse jurídico protegido legalmente; iii) se há a possibilidade de imputar a reparação ao ente familiar negligente [4].Entende-se que não é possível obrigar alguém a amar outra pessoa, isso seria um verdadeiro absurdo que não compete ao Estado regular. Porém, o cuidado e convívio com aquele que sempre lhe cuidou a vida inteira é indispensável na velhice. Os pais, enquanto sentem saudades dos filhos, veem os filhos os abandonarem em asilos e nunca mais aparecerem.
É pacífico o entendimento de que o abandono causa à falta de autoestima, gerando perturbações, solidão, depressão. Portanto, é de suma importância assegurar o direito e o dever do idoso ser protegido pelo Estado, e também pela própria família e sociedade.
Apesar de não haver uma legislação expressa acerca do abandono afetivo inverso, é possível este ser caracterizado a partir dos pressupostos da responsabilidade civil alcançados e diante das normas constitucionais e infraconstitucionais, como os arts. 226, 227, 229 e 230 da Constituição Federal e arts. 2º, 3º e 99 do Estatuto do Idoso, merecendo destaque os princípios constitucionais, os quais garantem o direito e o dever de convivência familiar e cuidado, exaltados como valores jurídicos.
Assim, para a caracterização do abandono moral inverso é preciso estar presentes o ato ilícito que resta configurado através de uma conduta omissa da inação do afeto e cuidado, o nexo causal que interliga as partes familiares e os danos morais psicológicos, desde que demonstrados comprovadamente.
Conclui-se que o dever jurídico de cuidado e convívio familiar, quando rompidos, podem dar origem ao processo de responsabilização civil. Assim, a inação do afeto, através de uma conduta omissa, pode constituir danos morais, desde que haja elementos comprobatórios nos autos do processo, na medida que a lesão afeta os direitos dos idosos, visto que tal conduta os desampara, causando abalos psicológicos e cicatrizes para o restante de suas vidas.
1 POPULAÇÃO idosa no Brasil cresce e diminui número de jovens, revela Censo. Legado Brasil, [Brasília], 22 set. 2017. Disponível em:. Acesso em: 10 ago. 2018.
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 5: Direito de família. p. 50.
3 MIGUEL, Alexandre. Responsabilidade civil no novo código civil: algumas considerações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 23
4 BARROSO, Lucas Abreu; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A obrigação de reparar por danos resultantes da liberação do fornecimento e da comercialização de medicamentos. Revista Trimestral de Direito Civil, São Paulo, v. 43, p. 114, jul./set. 2010.
Referências Bibliográficas:
BARROSO, Lucas Abreu; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A obrigação de reparar por danos resultantes da liberação do fornecimento e da comercialização de medicamentos. Revista Trimestral de Direito Civil, São Paulo, v. 43, p. 114, jul./set. 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 5: Direito de família. p. 50.
MIGUEL, Alexandre. Responsabilidade civil no novo código civil: algumas considerações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 23.
POPULAÇÃO idosa no Brasil cresce e diminui número de jovens, revela Censo. Legado Brasil, [Brasília], 22 set. 2017. Disponível em:. Acesso em: 10 ago. 2018.