Àqueles que frequentam o foro não chega a ser novidade flagrarem, aqui ou acolá, alguma tese que destoe do sistema positivo, isso é certo. Surpreende, porém, quando a tese destoante seja adotada pelo julgador, precipuamente quando integralmente à margem da própria letra da lei, por mais diversos que possam ser os métodos interpretativos.
Pois justamente um destes casos é o que vem ocorrendo com o entendimento de que, quando revel o réu, por ausência de resistência, não haveria sucumbência; ou, quando menos, não caberia a condenação em verba honorária.
Convenhamos. Conforme notório, à exceção de uns poucos remédios jurídicos – geralmente por equivocada inferência, como é o caso do mandado de segurança – a parte final de uma sentença (ou de um acórdão ou de uma decisão monocrática), a denominada conclusão, é composta de dois capítulos, quais sejam (a) o principal, em que, se procedente a demanda, domina o verbo da ação de direito material cujo exercício pretende o demandante; ou, se improcedente, o enunciado de improcedência tout court; e (b) o capítulo secundário, que cuida justamente da sucumbência: estabelecendo-se quem compete o pagamento de custas, despesas e honorários.
Ora, no capítulo aqui denominado de secundário, deve o julgador dispor sobre a honorária sucumbencial; e, excetuados os casos em que a lei o admita (art. 10, parágrafo único c/c o art. 85, §8º), há de o fazê-lo rigorosamente nos termos da lei processual. O caudaloso art. 85 do CPC pretendeu o que sabidamente inviável: abranger todas as hipóteses. A isso não logrará jamais o legislador, mas, no que estabelecido, está sujeito o juiz. Nem por outra razão prevê o CPC que a própria direção do processo há de se efetivar “conforme as disposições deste Código” (art. 139, caput).
Não havendo, de regra, distinção quanto ao fato de ter havido ou não resistência do réu à pretensão deduzida pelo autor, vindo este a sucumbir, revel ou não, impõe-se ao julgador fixar a verba sucumbencial devida, inclusive honorários advocatícios. Não é demasiado recordar que, quando quis excetuar, o fez o Código explicitamente, como é o caso de sentença condenatória contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, ausente impugnação (art. 85, §7º); e quando pretendeu obviar discussões pretéritas, igualmente esclareceu que, havendo resistência ou não, em execução lato sensu, são os honorários devidos (art. 85, §1º).
Assim, singela e cuidada leitura dos diversos dispositivos do art. 85 do CPC – e precipuamente do caput, que assenta a regra para a fixação de honorários sucumbenciais –, põe por terra o esdrúxulo comando que se flagra, felizmente em umas poucas sentenças, de que “se deixa de condenar o réu revel, por ausente resistência”. A tese parece advir de ensinamento equivocado ou mal digerida leitura de livros apressados.
Tendo presente a regra geral de que o princípio dominante é o da derrota – no processo civil, como regra, sujeita-se ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte vencedora o vencido (art. 85, caput, CPC) – não há lugar para conclusões de que indevidos os honorários, quando revel o demandado. Nem sequer no campo da execução lato sensu, como acabamos de demonstrar, há espaço para tal entendimento (art. 85, §1º). O que importa o fato objetivo da derrota: o perdedor – que passe o termo – paga.
A circunstância da revelia, precipuamente por seus efeitos, tanto materiais (art. 344) quanto processuais (arts. 346 e 355,II), servirá, isso sim, para apurar os elementos de formação dos honorários sucumbenciais, segundo o previsto no art. 85, § 2º, particularmente o item IV (“o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”). É natural que, ausente resistência do réu, seja no processo de conhecimento seja no de execução lato sensu, menor será a atividade a ser desenvolvida pelo advogado do autor, bem como o tempo a ser dedicado a ela – ao menos ordinariamente.
O que releva: apenas para este preciso caso é possível ao magistrado considerar o fato da revelia do réu ou da ausência de resistência, ainda que não revel. Entender indevidos os honorários é que, seguramente, não é juridicamente admissível.
Essa a situação que desejávamos focar, mas não é demasiado lembrar que a revelia não implica necessariamente em procedência da ação; não apenas porque o revel pode intervir no processo “em qualquer fase” (art. 346, parágrafo único), inclusive produzindo provas (art. 349), como, eventualmente, ainda que completamente ausente, outro fundamento conduza à improcedência.
Nessa circunstância, sendo certo de que a honorária sucumbencial tem como titular o advogado, e não a parte (art. 85, caput, CPC, c/c os arts.22 e 23 do Estatuto da Advocacia e da OAB), apenas haverá oportunidade de dispor de honorários em favor do revel, no caso de improcedência, se, em algum momento, tenha ele constituído procurador judicial que veio a intervir. Se a hipótese for de completa ausência do réu revel no processo, não há espaço para fixação de honorários sucumbenciais, ainda que improcedente a demanda.
Escritório de advocacia com mais de 20 anos de experiência de atuação no ramo jurídico.