Apenas para recordar, com a precisão de Pontes de Miranda, “a simulação supõe que se finja: há ato jurídico, que se quis, sob o ato jurídico que aparece; ou não há nenhum ato jurídico, posto que haja a aparência de algum”, circunstancialmente podendo estar à base a “cavilação” – o que a faz similar a outras “figuras, suscitando confusões” (recorda o jurista o dolo, a fraude à lei e a fraude contra credores) (Tratado de Direito Privado, RT, t. IV, 4ª ed., §469, p. 377).
Na simulação, portanto, há farsa: os figurantes aparentam a realização de um negócio jurídico, quando o que pretendem é o efeito de outro, o dissimulado; ou, pior, de ato jurídico nenhum; ou, ainda, falsa data (art. 167 do Código Civil).
Nenhuma dúvida há de que o atual Código Civil, afastando-se da solução dada pelo antecedente e aproximando-se de legislações europeias em que ordinariamente abebera-se o nosso legislador civil, submete ao regime das nulidades (em sentido estrito) as hipóteses de simulação de negócio jurídico. A leitura do art. 167 do Código não permite dúvida. A modificação legislativa, obviamente, traz importantes consequências jurídicas, algumas delas ressaltadas neste breve texto.
Antes de mais, e precipuamente tendo em conta o prevalente entendimento de que a ação que busca pronunciamento judicial de invalidade tem natureza declarativa, a ação de simulação de ato jurídico não é passível de prescrição. Essa é lição que se haure na doutrina formada sob a nova legislação, bem como entendimento extraível dos mais diversos julgamentos no STJ, para ficar apenas com a Corte de uniformização da jurisprudência (veja-se, exemplificativamente, AInt no AResp 1557349-SP, Araújo, 25.5.20). E nem poderia ser diferente, em face dos termos do art. 169 do Código Civil: a regra é a da inviabilidade de convalescença “pelo decurso do tempo” (e, pelo regime adotado, também “não é suscetível de confirmação”). A subsistência da relação jurídica, conforme previsão do art. 170, viabiliza-se apenas, e dependentemente da vontade dos figurantes de negócio, se o “nulo contiver os requisitos de outro”; portanto, é este “outro” que encontra ingresso no mundo jurídico.
Merece realce, igualmente, a circunstância de que o Código Civil em vigor não repete o art. 104 de seu antecedente imediato, que abrigava regra de vedação de alegação do “vício social” aos simuladores, que restavam, assim, presos no simulacro. A ausência de norma jurídica proibitiva conduz, conforme o advoga parcela da doutrina, à conclusão de que não lhes é mais proibido alegar, suposta, obviamente, a demonstração de interesse na pretensão desconstitutiva (Rigorosamente, desfazer o ato defeituoso é o que objetiva o autor de qualquer demanda que vise invalidade de ato ou negócio jurídico, trata-se de anulabilidade ou de nulidade). O sistema positivo, suprimindo a regra mencionada, evidencia-se coerente com o regime da nulidade, pelo qual optou. Direitos de terceiros de boa-fé, que se tenham constituído posteriormente ao negócio inválido, estão explicitamente acautelados, segundo o disposto no art. 167, § 2º, do Código Civil.
Algum destaque também deve ser dado ao fato de que, em se cuidando de nulidade, e exibindo-se esta ostensiva, o juiz não só pode como deve dela conhecer e decretá-la, independentemente de instância de parte (art. 168, parágrafo único, do Código Civil). Em outros termos, o pronunciamento judicial não depende de ação específica, podendo ocorrer incidentalmente, tanto que provado o vício invalidante. Será, muito provavelmente, de ocorrência excepcional, porque os negócios jurídicos simulados são daqueles atos que ordinariamente dependem de instrução, debitando-se o ônus da prova àquele que alegue. Mas a circunstância não pode enevoar a legitimação que ao juiz é reconhecida.
Finalmente – questão já enfrentada pelo STJ (p. ex., AgInt no REsp 1381447/SC, Cueva, 30.8.18; AgInt no REsp 1468433/GO, Buzzi, 24.10.17; REsp 1004729/MS, Araújo, 26.10.16) – não é demasiado recordar que incide o princípio de que tempus regit actum, o que conduz à solução do caso atendendo-se à data do negócio jurídico. Não se há de aplicar o regime novo, trazido pelo Código Civil de 2002, às relações jurídicas constituídas sob a vigência do Código Civil de 1916, que qualificava como de anulabilidade o negócio jurídico simulado.
O instituto convida-nos a todos a um estudo mais acurado, à luz do vigente Código Civil.
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