Comumente, no dia a dia, nos deparamos com o uso da expressão cartesiano(a) que, pragmaticamente, diz respeito àquele (a) que, de modo racional e metódico, estrutura sua linha de pensamento. Essa conduta tem por inspiração, no plano da filosofia moderna, no conhecido pensador francês Rene Descartes (1596/1650) e, mais especificamente, em sua conhecida exposição de ideias intitulada o Discurso do Método, cujo objetivo, grosso modo, foi assentar a razão como base para a busca da verdade, fugindo, pois, da forte influência subjetiva derivada do comportamento religioso dominador de sua época de vida. Essas ideias nasceram num lugarejo, nas cercanias de Ulm, Alemanha, basicamente no inverno ano de 1619 em intervalo de batalhas, já que naquele momento Descartes estava engajado às tropas do Duque Maximiliano da Baviera. Nascia, pois, o reino da certeza racionalista, cuja à assertiva cogito ergo sum (traduzida para o português como penso, logo existo!) tornou-se célebre, ganhou asas e projetou-se mundo afora.
Noutro tempo e em noutro lugar do mundo, o extraordinário jurista Ovídio Araújo Baptista da Silva, embora passados mais de quatro séculos do marco inicial racionalista, demonstrou a influência das ideias de Descartes no Processo Civil contemporâneo e fez essa observação em magistral obra intitulada Processo e Ideologia (O paradigma racionalista). Nessa obra, Ovídio, com o conhecido talento e sabedoria, ilumina precisamente de que modo a corrente racionalista impactou no sistema processual e aponta as consequências dessa escolha. Nós outros, estudiosos ou preocupados com os destinos do processo civil, consciente ou inconscientemente, convivemos com o racionalismo e, como regra, acreditamos que o procedimento – que é um método racional, vez que organizado por vocação e pragmático na busca de um fim – é capaz de apontar a verdade para bem conduzir as decisões jurisdicionais.
Assim, cabe indagar: o processo civil é deliberadamente cartesiano, pois o método e a razão, essências do racionalismo, formam as bases ideológicas desse ramo do direito? Eis uma questão de alta indagação!
A resposta emerge da notável exposição de Ovídio que nos permite identificar os fundamentos ideológicos do processo e, nessa linha, cumpre observar a todos que tiverem interesse em compreender o processo civil – e não apenas aplicá-lo no dia a dia forense como e enquanto operadores na busca de resultados uteis – que a obra em questão aponta as bases que influenciaram e ainda influenciam a formação do sistema processual, modo particular o processo de conhecimento.
A leitura de Ovídio é capaz de iluminar intensamente os meandros subjacentes as escolhas do sistema processual e, sem dúvida, a boa compreensão das ideias que habitam o conteúdo do processo civil coetâneo contribuirá para o melhor uso do instrumento na solução de conflitos. Pessoalmente registro que o exame da obra de Ovídio me induziu as reflexões que resultaram na minha tentativa de contribuir para a compreensão do atual estágio do sistema processual, através de publicação intitulada Processo Civil Contemporâneo – Elementos, ideologia e Perspectivas. Assim, me permito sugerir, através deste post, ainda e sempre, a visita as ideias de Ovídio. Será, com certeza, uma bela e proveitosa leitura.
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