Monofásicos e o novo posicionamento do STJ

Monofásicos e o novo posicionamento do STJ

por Éderson Porto

Recente decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Embargos de Divergência pela 1ª Seção (integrada pela 1ª e 2ª Turmas que apreciam a matéria tributária) indica que os contribuintes foram derrotados. Imediatamente começaram a surgir muitas dúvidas se o STJ teria acabado com a possibilidade de utilização de créditos de produtos submetidos ao chamado regime monofásico de incidência de PIS e Cofins. Na tentativa de esclarecer a questão, decidi escrever este texto para organizar a confusão.

Em primeiro lugar, é preciso entender que a não cumulatividade é uma regra constitucional que visa evitar a incidência em cascata da tributação, de modo a desonerar o consumidor final. A Constituição definiu os termos da não cumulatividade de forma mais clara para IPI (art. 153, § 3º, II) e ICMS (art. 155, § 2º, I), mas em relação às contribuições foi lacônica (art. 195, § 12). É importante não perder de vista esta afirmação porque será relevante na compreensão da importância do julgamento da 1ª seção do STJ antes referido.

A forma de promover a não cumulatividade destas duas contribuições acabou sendo regulamentada pelo art. 3º, da Lei nº 10.637/02 e da Lei nº 10.833/03 e art. 15, da Lei nº 10.865/04. O sistema utilizado é “base-contra-base”, na forma de créditos com relação aos itens que ingressam na sociedade como insumos.

O ponto é que assegurar a não cumulatividade, ao contrário do que se possa pensar, não é um benefício para a pessoa jurídica contribuinte, indústria. Em verdade, trata-se de uma proteção ao consumidor (e não contribuinte), visando reduzir a incidência da tributação, mitigando com isso o chamado peso morto da tributação. Não é benefício fiscal em favor do contribuinte, senão uma técnica de tornar menos onerosa a incidência tributária para a sociedade.

Bom a essa altura, você deve estar se perguntando: então por que se instituir o regime monofásico? Ora você acha que o fisco pensou no cidadão, no consumidor? É evidente que não. O objetivo era apenas e tão somente facilitar a vida do Fisco. Ao estabelecer que determinado produto estará submetido ao regime monofásico, pretendeu-se estabelecer uma alíquota única incidente na fabricação de certos bens que pudesse representar a incidência dos tributos em toda a cadeia. A ideia central é cobrar todo o tributo da cadeia na primeira etapa do ciclo produtivo, zerando a alíquota para as etapas subsequentes. Quais produtos estão submetidos a este regime? A lista é enorme de modo que inseri apenas referências e NCM’s:

 

  • gasolinas, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP), álcool hidratado para fins carburantes;

  • produtos farmacêuticos classificados nos seguintes códigos da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI):

  • 30.01, 30.03, exceto no código 3003.90.56;

  • 30.04, exceto no código 3004.90.46;

  • 3002.10.1, 3002.10.2, 3002.10.3, 3002.20.1, 3002.20.2, 3002.90.20, 3002.90.92, 3002.90.99, 3005.10.10, 3006.30.1, 3006.30.2 e 3006.60.00;

  • produtos de perfumaria, de toucador ou de higiene pessoal, classificados nas posições 33.03 a 33.07 e nos códigos 3401.11.90, 3401.20.10 e 9603.21.00, da TIPI;

  • máquinas e veículos, classificados nos códigos 84.29, 8432.40.00, 8432.80.00, 8433.20, 8433.30.00, 8433.40.00, 8433.5 e 87.01 a 87.06, da TIPI;

  • pneus novos de borracha da posição 40.11 e câmaras de ar de borracha da posição 40.13, da TIPI;

  • autopeças relacionadas nos Anexos I e II da Lei nº 10.485, de 2002, e alterações posteriores;

  • águas, classificadas nas posições 22.01 e 22.02 da Tipi;

  • cerveja de malte, classificada na posição 22.03 da Tipi;

  • cerveja sem álcool, classificada na posição 22.02 da Tipi e;

  • refrigerantes e outras bebidas classificados na posição 22.02 da Tipi.

 

A lista completa pode ser conferida na tabela 4.3.10 do SPED de PIS e COFINS (Contribuições) com toda a segurança.

Aqui reside todo o problema. Ao estimar qual a alíquota poderia concentrar todos os tributos que deveriam ser recolhidos caso houvesse a incidência em todas as transações é evidente que a estimativa é projetada para mais, o que torna onerosa a produção industrial. Portanto é possível afirmar sem risco de errar que o regime de monofasia acarreta aumento da carga tributária, o que não deveria ser o objetivo do sistema como dito. Logo, para que este cenário não se concretize faz-se necessário reconhecer o aproveitamento de crédito. A legislação contemplou esta previsão e quando quis vedar o fez expressamente. Veja como foi redigido o texto da Lei n° 10833:

 

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (…)

§ 2o Não dará direito a crédito o valor: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(…)

II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

 

O artigo 3° da Lei n° 10865 dispõe de forma idêntica em relação a apuração do PIS.

Como se pode observar, a legislação é clara em definir a hipótese de não aproveitamento de crédito, vale dizer, quando a “aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição”. Não há vedação para as demais hipóteses. Em outras palavras, se a etapa antecedente teve o recolhimento de PIS e COFINS, afigura-se inafastável a geração de crédito para o adquirente e, por outro lado, somente não dará direito ao crédito a aquisição de produtos ou serviços quando estes forem isentos, sujeitos à alíquota-zero ou não alcançados por estas contribuições. Para os fins da tomada do crédito importa unicamente que a operação anterior seja tributada. Portanto, mesmo nas operações nas quais a “saída” de mercadorias se der com suspensão, isenção, alíquota-zero ou não incidência, a restituição dos créditos deveria ser sempre obrigatória.

Aqui entra na discussão o artigo 17 da Lei n. 11.033/2004. O dispositivo é muito claro ao estabelecer o tratamento legal:

 

Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

Com fundamento no artigo acima reproduzido, os contribuintes (especialmente atacadistas e varejistas) sustentavam que o regime monofásico não significaria desoneração tributária e sim mera antecipação do recolhimento, logo deveria ser assegurada a manutenção do crédito. A 1ª Turma vinha reconhecendo o direito à manutenção do crédito (REsp 1861190) especialmente em razão da dicção do artigo 17 da Lei n° 11.033.

É justamente o dispositivo que ensejou o debate resolvido na 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. A Seção analisou o tema em dois recursos (EAREsp 1109354 e EREsp 1768224). O órgão julgador, por 7 votos a dois, entendeu que o artigo 17 da Lei n° 11.033 tem aplicação restrita ao regime REPORTO. Prevaleceu a posição do Relator, Min. Gurgel de Faria que em seu voto defendeu que a Lei nº 11.033 não modificou o que consta nas Leis nº 10.637, de 2002, e nº 10.833, de 2003, que tratam do PIS e da Cofins e vedam o uso de créditos na revenda de bens sujeitos ao regime monofásico. Disse o Ministro:

 

“Não havendo incidência do tributo na operação anterior, não há nada para ser creditado posteriormente. No regime monofásico a carga tributária concentra-se numa única fase, sendo suportada por um único contribuinte, não havendo cumulatividade”.

Com o julgamento começaram a surgir dúvidas. Afinal, os produtos sujeitos a monofasia não geram nunca crédito aos adquirentes?

A orientação firmada no Superior Tribunal de Justiça nos dois precedentes é emblemática porque decidido na 1ª Seção que reúne as duas turmas que julgam a matéria tributária na Corte, o que significa dizer que esta será a orientação para os próximos casos. Há um repetitivo aguardando julgamento o que, em tese, poderia ainda estar aberto para modificação da posição. No entanto, é pouco provável que o placar de 7 x 2 seja modificado.

Portanto, pode-se sinalizar que a apropriação de créditos de atacadistas e varejistas de produtos sujeitos ao regime monofásico não assegura o direito à manutenção do crédito.

Porém é preciso esclarecer o alcance da decisão e explicar que a orientação não alcança os contribuintes optantes do SIMPLES, nem proíbe que as empresas do regime monofásico aproveitem os créditos de bens e serviços que tenham sido tributados na operação anterior.

Os contribuintes optantes do SIMPLES, desde 2009, estão amparados pela alteração na Lei Complementar n° 123

Art. 18. (…)

§ 12. Na apuração do montante devido no mês relativo a cada tributo, para o contribuinte que apure receitas mencionadas nos incisos I a III e V do § 4o-A deste artigo, serão consideradas as reduções relativas aos tributos já recolhidos, ou sobre os quais tenha havido tributação monofásica, isenção, redução ou, no caso do ISS, que o valor tenha sido objeto de retenção ou seja devido diretamente ao Município. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

 

A questão foi esclarecida pela Receita Federal em sua Solução de Consulta COSIT n° 173 de 25 de junho de 2014:

 

ASSUNTO: SIMPLES NACIONAL SIMPLES NACIONAL. MONOFÁSICOS. Para os fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2008, na tributação, pelo Simples Nacional, das receitas provenientes da venda de produtos sujeitos à tributação concentrada (i.e., monofásicos), inexistia amparo legal para, de qualquer modo (p.ex., segregação de receitas ou desconsideração de percentuais), alterar os percentuais relativos à Cofins e à Contribuição para o PIS/Pasep. Contudo, para os fatos geradores ocorridos a partir de 1o de janeiro de 2009, o Simples Nacional passou a admitir a redução do valor a ser recolhido, nos termos do art. 18, § 4o, inciso IV, e §§ 12 a 14, da Lei Complementar no 123, de 2006. Dispositivos Legais: Lei Complementar no 123, de 2006, art. 18, § 4o, IV, § 12; Lei Complementar no 128, de 2008, art. 14, II, Lei no 10.147, de 2000, art. 2o, parágrafo único.

 

De igual modo, o Ato Declaratório RFB nº 4, de 07 de junho de 2016, esclareceu, com caráter vinculativo para a Administração, que a partir de 1º de agosto de 2004, com a entrada em vigor dos arts. 21 e 37 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, as receitas decorrentes da venda de produtos submetidos à incidência concentrada ou monofásica do PIS e da Cofins estão, em regra, sujeitas ao regime de apuração não cumulativa das referidas contribuições, salvo as disposições contrárias estabelecidas pela legislação.

Em suma, a nova posição do Superior Tribunal de Justiça é muito prejudicial para os contribuintes mas não significa que recuperações de crédito importantes tenham sido sepultadas. Fique atento e oriente bem seu cliente!

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