Todos

Monofásicos e o novo posicionamento do STJ

Escrito por

Éderson Garin Porto

Publicado em

20 de abril 2021

compartilhe:

Recente decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Embargos de Divergência pela 1ª Seção (integrada pela 1ª e 2ª Turmas que apreciam a matéria tributária) indica que os contribuintes foram derrotados. Imediatamente começaram a surgir muitas dúvidas se o STJ teria acabado com a possibilidade de utilização de créditos de produtos submetidos ao chamado regime monofásico de incidência de PIS e Cofins. Na tentativa de esclarecer a questão, decidi escrever este texto para organizar a confusão.

Em primeiro lugar, é preciso entender que a não cumulatividade é uma regra constitucional que visa evitar a incidência em cascata da tributação, de modo a desonerar o consumidor final. A Constituição definiu os termos da não cumulatividade de forma mais clara para IPI (art. 153, § 3º, II) e ICMS (art. 155, § 2º, I), mas em relação às contribuições foi lacônica (art. 195, § 12). É importante não perder de vista esta afirmação porque será relevante na compreensão da importância do julgamento da 1ª seção do STJ antes referido.

A forma de promover a não cumulatividade destas duas contribuições acabou sendo regulamentada pelo art. 3º, da Lei nº 10.637/02 e da Lei nº 10.833/03 e art. 15, da Lei nº 10.865/04. O sistema utilizado é “base-contra-base”, na forma de créditos com relação aos itens que ingressam na sociedade como insumos.

O ponto é que assegurar a não cumulatividade, ao contrário do que se possa pensar, não é um benefício para a pessoa jurídica contribuinte, indústria. Em verdade, trata-se de uma proteção ao consumidor (e não contribuinte), visando reduzir a incidência da tributação, mitigando com isso o chamado peso morto da tributação. Não é benefício fiscal em favor do contribuinte, senão uma técnica de tornar menos onerosa a incidência tributária para a sociedade.

Bom a essa altura, você deve estar se perguntando: então por que se instituir o regime monofásico? Ora você acha que o fisco pensou no cidadão, no consumidor? É evidente que não. O objetivo era apenas e tão somente facilitar a vida do Fisco. Ao estabelecer que determinado produto estará submetido ao regime monofásico, pretendeu-se estabelecer uma alíquota única incidente na fabricação de certos bens que pudesse representar a incidência dos tributos em toda a cadeia. A ideia central é cobrar todo o tributo da cadeia na primeira etapa do ciclo produtivo, zerando a alíquota para as etapas subsequentes. Quais produtos estão submetidos a este regime? A lista é enorme de modo que inseri apenas referências e NCM’s:

  • gasolinas, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP), álcool hidratado para fins carburantes;
  • produtos farmacêuticos classificados nos seguintes códigos da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI):
  • 30.01, 30.03, exceto no código 3003.90.56;
  • 30.04, exceto no código 3004.90.46;
  • 3002.10.1, 3002.10.2, 3002.10.3, 3002.20.1, 3002.20.2, 3002.90.20, 3002.90.92, 3002.90.99, 3005.10.10, 3006.30.1, 3006.30.2 e 3006.60.00;
  • produtos de perfumaria, de toucador ou de higiene pessoal, classificados nas posições 33.03 a 33.07 e nos códigos 3401.11.90, 3401.20.10 e 9603.21.00, da TIPI;
  • máquinas e veículos, classificados nos códigos 84.29, 8432.40.00, 8432.80.00, 8433.20, 8433.30.00, 8433.40.00, 8433.5 e 87.01 a 87.06, da TIPI;
  • pneus novos de borracha da posição 40.11 e câmaras de ar de borracha da posição 40.13, da TIPI;
  • autopeças relacionadas nos Anexos I e II da Lei nº 10.485, de 2002, e alterações posteriores;
  • águas, classificadas nas posições 22.01 e 22.02 da Tipi;
  • cerveja de malte, classificada na posição 22.03 da Tipi;
  • cerveja sem álcool, classificada na posição 22.02 da Tipi e;
  • refrigerantes e outras bebidas classificados na posição 22.02 da Tipi.

A lista completa pode ser conferida na tabela 4.3.10 do SPED de PIS e COFINS (Contribuições) com toda a segurança.

Aqui reside todo o problema. Ao estimar qual a alíquota poderia concentrar todos os tributos que deveriam ser recolhidos caso houvesse a incidência em todas as transações é evidente que a estimativa é projetada para mais, o que torna onerosa a produção industrial. Portanto é possível afirmar sem risco de errar que o regime de monofasia acarreta aumento da carga tributária, o que não deveria ser o objetivo do sistema como dito. Logo, para que este cenário não se concretize faz-se necessário reconhecer o aproveitamento de crédito. A legislação contemplou esta previsão e quando quis vedar o fez expressamente. Veja como foi redigido o texto da Lei n° 10833:

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (…)

§ 2o Não dará direito a crédito o valor: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(…)

II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

O artigo 3° da Lei n° 10865 dispõe de forma idêntica em relação a apuração do PIS.

Como se pode observar, a legislação é clara em definir a hipótese de não aproveitamento de crédito, vale dizer, quando a “aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição”. Não há vedação para as demais hipóteses. Em outras palavras, se a etapa antecedente teve o recolhimento de PIS e COFINS, afigura-se inafastável a geração de crédito para o adquirente e, por outro lado, somente não dará direito ao crédito a aquisição de produtos ou serviços quando estes forem isentos, sujeitos à alíquota-zero ou não alcançados por estas contribuições. Para os fins da tomada do crédito importa unicamente que a operação anterior seja tributada. Portanto, mesmo nas operações nas quais a “saída” de mercadorias se der com suspensão, isenção, alíquota-zero ou não incidência, a restituição dos créditos deveria ser sempre obrigatória.

Aqui entra na discussão o artigo 17 da Lei n. 11.033/2004. O dispositivo é muito claro ao estabelecer o tratamento legal:

Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

Com fundamento no artigo acima reproduzido, os contribuintes (especialmente atacadistas e varejistas) sustentavam que o regime monofásico não significaria desoneração tributária e sim mera antecipação do recolhimento, logo deveria ser assegurada a manutenção do crédito. A 1ª Turma vinha reconhecendo o direito à manutenção do crédito (REsp 1861190) especialmente em razão da dicção do artigo 17 da Lei n° 11.033.

É justamente o dispositivo que ensejou o debate resolvido na 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. A Seção analisou o tema em dois recursos (EAREsp 1109354 e EREsp 1768224). O órgão julgador, por 7 votos a dois, entendeu que o artigo 17 da Lei n° 11.033 tem aplicação restrita ao regime REPORTO. Prevaleceu a posição do Relator, Min. Gurgel de Faria que em seu voto defendeu que a Lei nº 11.033 não modificou o que consta nas Leis nº 10.637, de 2002, e nº 10.833, de 2003, que tratam do PIS e da Cofins e vedam o uso de créditos na revenda de bens sujeitos ao regime monofásico. Disse o Ministro:

“Não havendo incidência do tributo na operação anterior, não há nada para ser creditado posteriormente. No regime monofásico a carga tributária concentra-se numa única fase, sendo suportada por um único contribuinte, não havendo cumulatividade”.

Com o julgamento começaram a surgir dúvidas. Afinal, os produtos sujeitos a monofasia não geram nunca crédito aos adquirentes?

A orientação firmada no Superior Tribunal de Justiça nos dois precedentes é emblemática porque decidido na 1ª Seção que reúne as duas turmas que julgam a matéria tributária na Corte, o que significa dizer que esta será a orientação para os próximos casos. Há um repetitivo aguardando julgamento o que, em tese, poderia ainda estar aberto para modificação da posição. No entanto, é pouco provável que o placar de 7 x 2 seja modificado.

Portanto, pode-se sinalizar que a apropriação de créditos de atacadistas e varejistas de produtos sujeitos ao regime monofásico não assegura o direito à manutenção do crédito.

Porém é preciso esclarecer o alcance da decisão e explicar que a orientação não alcança os contribuintes optantes do SIMPLES, nem proíbe que as empresas do regime monofásico aproveitem os créditos de bens e serviços que tenham sido tributados na operação anterior.

Os contribuintes optantes do SIMPLES, desde 2009, estão amparados pela alteração na Lei Complementar n° 123

Art. 18. (…)

§ 12. Na apuração do montante devido no mês relativo a cada tributo, para o contribuinte que apure receitas mencionadas nos incisos I a III e V do § 4o-A deste artigo, serão consideradas as reduções relativas aos tributos já recolhidos, ou sobre os quais tenha havido tributação monofásica, isenção, redução ou, no caso do ISS, que o valor tenha sido objeto de retenção ou seja devido diretamente ao Município. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

A questão foi esclarecida pela Receita Federal em sua Solução de Consulta COSIT n° 173 de 25 de junho de 2014:

ASSUNTO: SIMPLES NACIONAL SIMPLES NACIONAL. MONOFÁSICOS. Para os fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2008, na tributação, pelo Simples Nacional, das receitas provenientes da venda de produtos sujeitos à tributação concentrada (i.e., monofásicos), inexistia amparo legal para, de qualquer modo (p.ex., segregação de receitas ou desconsideração de percentuais), alterar os percentuais relativos à Cofins e à Contribuição para o PIS/Pasep. Contudo, para os fatos geradores ocorridos a partir de 1o de janeiro de 2009, o Simples Nacional passou a admitir a redução do valor a ser recolhido, nos termos do art. 18, § 4o, inciso IV, e §§ 12 a 14, da Lei Complementar no 123, de 2006. Dispositivos Legais: Lei Complementar no 123, de 2006, art. 18, § 4o, IV, § 12; Lei Complementar no 128, de 2008, art. 14, II, Lei no 10.147, de 2000, art. 2o, parágrafo único.

De igual modo, o Ato Declaratório RFB nº 4, de 07 de junho de 2016, esclareceu, com caráter vinculativo para a Administração, que a partir de 1º de agosto de 2004, com a entrada em vigor dos arts. 21 e 37 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, as receitas decorrentes da venda de produtos submetidos à incidência concentrada ou monofásica do PIS e da Cofins estão, em regra, sujeitas ao regime de apuração não cumulativa das referidas contribuições, salvo as disposições contrárias estabelecidas pela legislação.

Em suma, a nova posição do Superior Tribunal de Justiça é muito prejudicial para os contribuintes mas não significa que recuperações de crédito importantes tenham sido sepultadas. Fique atento e oriente bem seu cliente!

Entre em contato conosco

Nossos especialistas estão prontos para ajudar você a encontrar as melhores soluções jurídicas. Não hesite em nos consultar para esclarecer suas dúvidas.

Artigos relacionados

erro similar ao crassus

Todos

ERRO SIMILAR AO DE CRASSUS NO STJ

Todos

AgInt no REsp 1843825/RS: estudo sobre a impossibilidade da aplicação de efeitos ex tunc nos casos de união estável formalizada por escritura pública
sp.

Todos

A era da pós-humanidade nos Tribunais
;

Todos

Processo Civil cartesiano? Ainda e sempre a sabedoria de Ovídio.
.v

Todos

As modalidades de guarda no direito brasileiro
2.

Todos

É possível distribuir lucros aos sócios de forma diversa da participação societária?