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Lei n. 13.431/2017: breves apontamentos sobre a escuta protegida

Escrito por

Victória de Carvalho Peixoto

Publicado em

16 de fevereiro 2022

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Atualmente, existem diversas maneiras de escutar, em audiência, uma criança ou adolescente vítimas ou testemunhas de algum ato de violência. Foi no Rio Grande do Sul que surgiu o método da Escuta Especializada ou Depoimento Especial. Esse método foi entendido como a forma mais correta de escutar uma criança ou adolescente.

Antigamente o modelo de oitiva utilizada era o tradicional. Luciane Potter explica:

O que existe no modelo tradicional de oitiva é a formulação e reformulação constrangedora de perguntas e insinuações, normalmente utilizadas de forma imprópria, inadequada e infrutífera, levando a vítima sofrer duas vezes o ato de violência (abuso sexual que é a vitimização primária e após o abuso psicológico na esfera judicial que é a vitimização secundária (…) A inquirição no método tradicional é inadequada. Durante a audiência há a exposição da criança, ela terá que falar sobre situações extremamente íntimas a pessoas desconhecidas, normalmente homens, diante de uma formalidade e ambiente inapropriados para seu estágio de desenvolvimento [1].

Ao se deparar com essa absurda realidade na esfera do judiciário foi criada, por iniciativa do Des. Daltoé Cezar, o método de escuta denominado “Escuta Protegida”, o qual, em 4 de abril de 2017, foi sancionada como Lei n. 13.431/2017.

Este novo método adotado é condizente com a letra da Constituição Federal de 1988, pois, para que as crianças possam ser ouvidas com dignidade em juízo, é necessário que elas estejam em um ambiente emocionalmente estável e acolhedor, garantido a elas todo o respeito disposto no art. 227 da Carta Magna. Assim, é dever do Estado, da família e da sociedade, proteger as crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.

Como afirma Paulo Lôbo, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente é uma diretriz determinante nas relações da criança ou do adolescente com seus pais, com sua família, com a própria sociedade e com o Estado, ou seja, não é uma simples recomendação ética [2].

A Lei n. 13.431/2017 tem a finalidade de estabelecer o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. As violências

são definidas no art. 4ª da Lei. Essas violências além de serem físicas, psicológicas ou sexuais, também são referentes à esfera da alienação parental.

Maria Berenice Dias entende por alienação parental quando “o filho é utilizado como instrumento da agressividade, sendo induzido a odiar um dos genitores. Trata- se de verdadeira companha de desmoralização. A criança é levada a afastar-se de quem ama e que também a ama” [3].

Adentrando um pouco mais no método da Escuta Protegida, é imprescindível entender a diferença entre Escuta Especializada e Depoimento Especial. A escuta especializada se encontra amparada no art. 7º da Lei e ocorre nos serviços de saúde e assistência social onde a criança será atendida. Já o depoimento especial se encontra no art. 8º, que ocorre com a presença da autoridade policial e judicial, onde estes perguntam o que aconteceu, porém em um ambiente acolhedor e na presença de um profissional capacitado.

Inclusive, o artigo 699 do Código de Processo Civil de 2015 determina a companhia do especialista: “Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista”. A principal função do profissional habilitado e capacitado em realizar a entrevista é a de coleta de fatos.

O art. 12 da Lei 13.431/2017 dispõe quanto a metodologia do Depoimento Especial, a qual requer: a redução de vezes que a criança/adolescente tem que testemunhar; necessidade de um ambiente acolhedor e amigável, onde a criança/adolescente se sinta confortável em ser entrevistada; presença de uma equipe multidisciplinar treinada em entrevista forense; necessidade de seguir um protocolo de entrevista; gravação da entrevista com o objetivo de juntá-la aos autos [4]. Interessante destacar que caso a vítima/testemunha se interesse em prestar depoimento diretamente ao juiz, poderá fazer, de acordo com o §1º do art. 12.

Ainda, como forma de penalidade da violação ao sigilo processual garantido às crianças e adolescentes, o art. 24 da norma legal referida acima determina a pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O protocolo de entrevista utilizado na Escuta Protegida é o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, o qual se baseia no protocolo desenvolvido pelo National Children’s Advocacy Center (NCAC). Esse tipo de protocolo visa evitar perguntas sugestivas e deixar com que a criança e o adolescente relatem o caso livremente, sem interferências e insinuações. Ele é feito em três fases: o início da entrevista, a fase de acolhimento e o encerramento [5].

Portanto, é perceptível que o modelo tradicional de oitiva é extremamente invasivo para a criança e o adolescente que, muitas vezes, se sente acuado diante da autoridade judicial ou policial, e não se sente confortável em responder determinadas perguntas na frente de todos.

Conclui-se que a Escuta Protegida é um método extremamente satisfatório no âmbito judicial em causas que envolvem crianças e adolescentes, de forma que garante a essas a sua plena dignidade e liberdade em relatar o que de fato está sentido e o que aconteceu ou testemunhou.

1 POTTER, Luciane. Direito de Família e sucessões: um olhar prático. Organização: Conrado Paulino   da Rosa, Liane Maria Busnello Thomé, Rogério Brochado. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2018, p. 267.

2 LÔBO, Paulo. Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 45.

3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. Ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 573

4 Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos : guia para capacitação em depoimento especial de crianças e adolescentes / organizadores, Benedito Rodrigues dos Santos, Itamar Batista Gonçalves, Gorete Vasconcelos ; (coords.), Paola Barbieri, Vanessa Nascimento – Brasília, DF : EdUCB, 2014, p. 103.

5 POTTER, Luciane. Direito de Família e sucessões: um olhar prático. Organização: Conrado Paulino   da Rosa, Liane Maria Busnello Thomé, Rogério Brochado. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2018, p 283.

REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. Ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 573

LÔBO, Paulo. Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 45.

MELO, Eduardo Rezende. Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual : aspectos teóricos e metodológicos : guia para capacitação em depoimento especial de crianças e adolescentes / organizadores, Benedito Rodrigues dos Santos, Itamar Batista Gonçalves, Gorete Vasconcelos ; (coords.), Paola Barbieri, Vanessa Nascimento – Brasília, DF : EdUCB, 2014, p. 103

POTTER, Luciane. Direito de Família e sucessões: um olhar prático. Organização: Conrado Paulino da Rosa, Liane Maria Busnello Thomé, Rogério Brochado. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2018, p. 267 e 283.

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