Por Victória Peixoto
Atualmente, existem diversas maneiras de escutar, em audiência, uma criança ou adolescente vítimas ou testemunhas de algum ato de violência. Foi no Rio Grande do Sul que surgiu o método da Escuta Especializada ou Depoimento Especial. Esse método foi entendido como a forma mais correta de escutar uma criança ou adolescente.
Antigamente o modelo de oitiva utilizada era o tradicional. Luciane Potter explica:
O que existe no modelo tradicional de oitiva é a formulação e reformulação constrangedora de perguntas e insinuações, normalmente utilizadas de forma imprópria, inadequada e infrutífera, levando a vítima sofrer duas vezes o ato de violência (abuso sexual que é a vitimização primária e após o abuso psicológico na esfera judicial que é a vitimização secundária (…) A inquirição no método tradicional é inadequada. Durante a audiência há a exposição da criança, ela terá que falar sobre situações extremamente íntimas a pessoas desconhecidas, normalmente homens, diante de uma formalidade e ambiente inapropriados para seu estágio de desenvolvimento [1].
Ao se deparar com essa absurda realidade na esfera do judiciário foi criada, por iniciativa do Des. Daltoé Cezar, o método de escuta denominado “Escuta Protegida”, o qual, em 4 de abril de 2017, foi sancionada como Lei n. 13.431/2017.
Este novo método adotado é condizente com a letra da Constituição Federal de 1988, pois, para que as crianças possam ser ouvidas com dignidade em juízo, é necessário que elas estejam em um ambiente emocionalmente estável e acolhedor, garantido a elas todo o respeito disposto no art. 227 da Carta Magna. Assim, é dever do Estado, da família e da sociedade, proteger as crianças ou adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
Como afirma Paulo Lôbo, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente é uma diretriz determinante nas relações da criança ou do adolescente com seus pais, com sua família, com a própria sociedade e com o Estado, ou seja, não é uma simples recomendação ética [2].
A Lei n. 13.431/2017 tem a finalidade de estabelecer o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. As violências
são definidas no art. 4ª da Lei. Essas violências além de serem físicas, psicológicas ou sexuais, também são referentes à esfera da alienação parental.
Maria Berenice Dias entende por alienação parental quando “o filho é utilizado como instrumento da agressividade, sendo induzido a odiar um dos genitores. Trata- se de verdadeira companha de desmoralização. A criança é levada a afastar-se de quem ama e que também a ama” [3].
Adentrando um pouco mais no método da Escuta Protegida, é imprescindível entender a diferença entre Escuta Especializada e Depoimento Especial. A escuta especializada se encontra amparada no art. 7º da Lei e ocorre nos serviços de saúde e assistência social onde a criança será atendida. Já o depoimento especial se encontra no art. 8º, que ocorre com a presença da autoridade policial e judicial, onde estes perguntam o que aconteceu, porém em um ambiente acolhedor e na presença de um profissional capacitado.
Inclusive, o artigo 699 do Código de Processo Civil de 2015 determina a companhia do especialista: “Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista”. A principal função do profissional habilitado e capacitado em realizar a entrevista é a de coleta de fatos.
O art. 12 da Lei 13.431/2017 dispõe quanto a metodologia do Depoimento Especial, a qual requer: a redução de vezes que a criança/adolescente tem que testemunhar; necessidade de um ambiente acolhedor e amigável, onde a criança/adolescente se sinta confortável em ser entrevistada; presença de uma equipe multidisciplinar treinada em entrevista forense; necessidade de seguir um protocolo de entrevista; gravação da entrevista com o objetivo de juntá-la aos autos [4]. Interessante destacar que caso a vítima/testemunha se interesse em prestar depoimento diretamente ao juiz, poderá fazer, de acordo com o §1º do art. 12.
Ainda, como forma de penalidade da violação ao sigilo processual garantido às crianças e adolescentes, o art. 24 da norma legal referida acima determina a pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
O protocolo de entrevista utilizado na Escuta Protegida é o Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, o qual se baseia no protocolo desenvolvido pelo National Children’s Advocacy Center (NCAC). Esse tipo de protocolo visa evitar perguntas sugestivas e deixar com que a criança e o adolescente relatem o caso livremente, sem interferências e insinuações. Ele é feito em três fases: o início da entrevista, a fase de acolhimento e o encerramento [5].
Portanto, é perceptível que o modelo tradicional de oitiva é extremamente invasivo para a criança e o adolescente que, muitas vezes, se sente acuado diante da autoridade judicial ou policial, e não se sente confortável em responder determinadas perguntas na frente de todos.
Conclui-se que a Escuta Protegida é um método extremamente satisfatório no âmbito judicial em causas que envolvem crianças e adolescentes, de forma que garante a essas a sua plena dignidade e liberdade em relatar o que de fato está sentido e o que aconteceu ou testemunhou.
1 POTTER, Luciane. Direito de Família e sucessões: um olhar prático. Organização: Conrado Paulino da Rosa, Liane Maria Busnello Thomé, Rogério Brochado. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2018, p. 267.
2 LÔBO, Paulo. Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 45.
3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. Ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 573
4 Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual: aspectos teóricos e metodológicos : guia para capacitação em depoimento especial de crianças e adolescentes / organizadores, Benedito Rodrigues dos Santos, Itamar Batista Gonçalves, Gorete Vasconcelos ; (coords.), Paola Barbieri, Vanessa Nascimento – Brasília, DF : EdUCB, 2014, p. 103.
5 POTTER, Luciane. Direito de Família e sucessões: um olhar prático. Organização: Conrado Paulino da Rosa, Liane Maria Busnello Thomé, Rogério Brochado. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2018, p 283.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. Ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 573
LÔBO, Paulo. Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 45.
MELO, Eduardo Rezende. Escuta de crianças e adolescentes em situação de violência sexual : aspectos teóricos e metodológicos : guia para capacitação em depoimento especial de crianças e adolescentes / organizadores, Benedito Rodrigues dos Santos, Itamar Batista Gonçalves, Gorete Vasconcelos ; (coords.), Paola Barbieri, Vanessa Nascimento – Brasília, DF : EdUCB, 2014, p. 103
POTTER, Luciane. Direito de Família e sucessões: um olhar prático. Organização: Conrado Paulino da Rosa, Liane Maria Busnello Thomé, Rogério Brochado. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2018, p. 267 e 283.