A Atípica Assistência no Processo de Interdição [1]: ART. 752, §3º, CPC

Por Antonio Dall’Agnol

A Atípica Assistência no Processo de Interdição [1]: ART. 752, §3º, CPC

por Antônio Dall'Agnol

Certamente, despercebido não passou ao estudioso do Código Processo Civil vigente, a modificação redacional que se realizou na regra, hoje abrigada pelo art. 752, §3º, do art. 1.182, § 3º, do CPC de 1973. O cotejo é impositivo. Segundo aquela, não constituindo o interditando, por si mesmo, advogado – vale dizer, procurador judicial – “o seu cônjuge, companheiro ou qualquer parente sucessível poderá intervir como assistente”; já o dispositivo que restou revogado, reconhecia legitimidade a “qualquer parente sucessível”, o qual poderia constituir advogado “com os poderes judiciais que teria se nomeado pelo interditando” (em outros termos, não o fazendo o interditando, poderia fazê-lo um daqueles legitimados como se o interditando o fizesse).

A diferença é inequívoca, porque, na atualidade, os legitimados (que, rigorosamente, não se modificaram) não agem em nome de outrem (o interditando), mas em nome próprio, na qualidade de “assistentes”. [2]

No rigor do conceito, há que se reconhecer que, aqui, não se está diante da assistência do art. 119 do CPC[3], pois não se exige demonstração de “interesse jurídico”, como ordinariamente se o faz, em se cuidando do instituto da assistência simples; tampouco é possível trabalhar-se com a ideia de “sentença favorável”, salvo se a compreender como aquela que melhor se ajusta à definição da situação do interditando (que tanto pode ser a de procedência quanto a de improcedência, por suposto).

A circunstância não chega a ser novidade em nosso sistema positivo, conforme estudos mais atentos o constataram, merecendo especial menção a tese da Doutora Sofia Temer, apresentada a UERJ, no ano de 2020. Nesta, a ilustre doutrinadora realça o que chama de “dispersivo uso da assistência”, bem como a insuficiência mesmo do modelo vigente no que respeita à intervenção de terceiros e processos pendentes[4].

De efeito, no plano conceitual, segundo a tipicidade reconhecida de que um interesse jurídico deve ser demonstrado, dificilmente se há de localizar em processo interventivo da natureza do previsto no art. 752, §3º do CPC; nem sequer algo mediato, que se poderia inferir do rol dos legitimados, com ênfase ao parentesco “sucessível”. Afastando-se a ideia de que o interesse jurídico exsurgiria ex vi legis, parece inegável que o sentido da intervenção seja nitidamente de proteção do interesse do interditando – não necessariamente na sua interdição ou de sua não interdição. A lista de legitimados procura sustentar-se naqueles que mais próximos do interditando se encontram, na presunção – aqui, sim – de que almejem, antes de mais, o bem-estar desse que está exposto no processo de curatela.

Esta, de qualquer modo, é seara para alguma discussão, não a permitindo os limites deste artiguete, que não mais objetiva do que dar realce à modificação em si que se operou na norma jurídica, bem como à circunstância de que não é afastada eventual e típica intervenção de terceiro, embora algo remota.

Assim, porque infelizmente alguns operadores ainda insistem na solução legislativa revogada, conforme normal, por força da tradição, convém rememorar quais sejam os pressupostos, os legitimados e o modo de intervenção.

A “assistência” prevista pelo art. 752, § 3º do CPC, nitidamente protetiva, (a) reconhece como legitimados o cônjuge, o companheiro ou qualquer parente sucessível; (b) desde que – e apenas se – o próprio interditando não tenha constituído advogado.

A nosso juízo, em razão da natureza da intervenção, esta é “assistência” singular, o mais próximo excluindo o mais remoto dos “parentes sucessíveis”, acaso antes deles não se apresente o cônjuge ou o companheiro. Parece-nos insustentável a admissão generalizada de intervenções, quando desta natureza, porquanto o objetivo  – nitidamente o de proteção da pessoa e dos interesses do interditando[5] – ver-se-ia fragilizado, com circunstancial abertura de contraditório entre os intervenientes. Reforça-se o contraditório, isso sim, com a possibilidade que se abre a esta “assistência” de pessoa próxima do interditando, sem detrimento do trabalho do curador especial.

Isso não obsta, no entanto, que intervenham na qualidade típica de terceiros  juridicamente interessados; mas, neste caso, o pressuposto da intervenção não se há de resumir (na verdade, nem menos cogitar de) ao mero interesse protetivo, havendo que provar circunstancial requerente em que medida o resultado do processo possa afetar interesse jurídico seu, nos termos do art. 119, caput, do CPC. E não se pretenda que não caiba porque inserido o procedimento entre os “de jurisdição voluntária”, pois o parágrafo único do art. 119, recentemente mencionado, não faz distinção.

De outro lado, a “assistência protetiva” pressupõe não ter o interditando mesmo constituído procurador judicial; se o fez, não há espaço para ela – restando, nos termos do que dito há pouco, apenas intervenção típica como assistente simples.

Evidentemente, se terceiro juridicamente interessado apresenta-se, esta intervenção não afasta qualquer outra que exiba a mesma qualidade, isto é, que seja o pretendente titular de interesse jurídico que possa vir a ser afetado pela sentença.

 


[1] Em seu nome, quando não o próprio interditando, age o curador especial (art. 752, § 2º, do CPC). Este, segundo entendimento que vem prevalecendo no STJ deverá ser nomeado entre integrante da Defensoria Pública, nos termos da legislação de regência (LC 80, de 12.01.1994, com as alterações da LC 132, de 07.8.2009, art. 4º, XVI) (v.g., AREsp 1717313-PR, 25.6.21, Min. Marco Aurélio Bellizze).

[2] Diferentemente, Araken de Assis, que ressalta que “também é jurídico, porque descansa em relação jurídica, o interesse” dos arrolados pelo art. 752, §3º do CPC (Processo Civil Brasileiro. SP: RT, 2015, vol. II, t. I, p. 626). Quero crer, porém, sub censura, que aqui o jurista trabalha já com conceito mais amplo de interesse jurídico.

[3] Sofia Temer, Participação no Processo Civil. Editora JusPodium, 2020, p. 82. Daniel Mitidiero, Processo Civil. SP: RT, 2021, demonstra simpatia pela tese.

[4] Não necessariamente patrimoniais, pois pode que se cuide de interditando destituído de bens. Ademais, como acertadamente o realça, a melhor doutrina: “A real necessidade da pessoa com algum tipo de doença mental é menos a substituição da gestão patrimonial e mais, como decorrência do princípio da solidariedade e da função protetiva do curador, garantir a dignidade, a qualidade de vida, a recuperação da saúde e a inserção social do interditado” (Maria Berenice Dias, Manual cit., p. p. 938).

[5] Não necessariamente patrimoniais, pois pode que se cuide de interditando destituído de bens. Ademais, como acertadamente o realça, a melhor doutrina: “A real necessidade da pessoa com algum tipo de doença mental é menos a substituição da gestão patrimonial e mais, como decorrência do princípio da solidariedade e da função protetiva do curador, garantir a dignidade, a qualidade de vida, a recuperação da saúde e a inserção social do interditado” (Maria Berenice Dias, Manual cit., p. p. 938).

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