Embora muitos empreendedores sustentem o negócios de impacto social, sejamos sinceros: o objetivo de uma sociedade empresária é o lucro! É possível compatibilizar este objetivo com outros mais angelicais, mas se a sociedade não alcançar, em algum momento, o lucro, os demais objetivos serão mais difíceis de serem atingidos.
É evidente que as pessoas reunem-se em sociedade em busca de propósito, em busca de realização, mas é igualmente verdadeiro afirmar que sem remuneração se torna inviável a manutenção do engajamento no negócio. Não adianta ser romântico, não vai funcionar.
Uma forma de remunerar os sócios é por meio da fixação de pró-labore. Inclusive este é um tema que vou abordar mais tarde num artigo específico. A vantagem da fixação de pró-labore é conferir certeza e previsibilidade para os sócios e permitir que eles se organizem. Todavia, a fixação de pró-labore repercute no resultado do negócio, reduzindo o lucro a ser distribuído. Logo, o trade-off da utilização do pró-labore como ferramenta de remuneração acaba sendo a redução do resultado da empresa, o que pode dificultar a percepção da rentabilidade do negócio.
Por outro lado, a estratégia pode se concentrar na distribuição do resultado aos sócios, de modo que quanto maior o resultado, maior será a remuneração e assim se promove o engajamento de todos na obtenção de melhores resultados.
Ocorre que a distribuição de lucros normalmente leva em consideração a participação social detida por cada sócio. Esse regime de distribuição do resultado acaba premiando aquele sócio que possui maior fatia do capital social, mas que não necessariamente é o sócio mais envolvido na operação ou o sócio que está tendo o melhor desempenho. Então como resolver esse problema? É evidente que o melhor regime de incentivos é aquele que consegue sinalizar com clareza aos sócios as metas e as premia quando atingidas.
Ao contrário do que muitos pensam, é possível pactuar entre os sócios uma distribuição de resultados desproporcional às quotas. Consta no artigo 1.007 do Código Civil:
Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.
Reside na “expressão salvo em contrário” a autorização para que o contrato social autorize os sócios a pactuarem em ata de reunião ou assembleia a forma como será distribuído o lucro, promovendo um melhor alinhamento do regime de incentivos para extrair melhores resultados nas relações societárias. Considero uma boa prática de governança capaz inclusive mitigar o conhecido problema de agência que trabalho no meu livro “Compliance & Governança Corporativa”
Já fui consultado para esclarecer este tema, notadamente porque alguns empresários temem que tal prática possa ser compreendida pela Receita Federal como alguma manobra dissimulada. Sempre invoco para responder esta dúvida a SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF06Nº 46, DE 24 DE MAIO DE 2010 que dispõe:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA RETIDO NA FONTE – IRRF
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS AOS SÓCIOS. ISENÇÃO.
A distribuição de lucros aos sócios é isenta de imposto de renda (na fonte e na declaração dos beneficiários), contanto que sejam observadas as regras previstas na legislação de regência, atinentes à forma de tributação da pessoa jurídica.
Estão abrangidos pela isenção os lucros distribuídos aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital social, desde que tal distribuição esteja devidamente estipulada pelas partes no contrato social, em conformidade com a legislação societária.
Dispositivos Legais: Lei nº 9.249/1995, art. 10; Decreto nº 3.000/1999 – Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99, art. 39, inc. XXIX; Lei nº 10.406/2002, arts. 997, incs. IV e VII, 1.007, 1.008, 1.053 e 1.054; IN nº 93/1997, art. 48, caput, e §§ 1º a 8º.
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS AOS SÓCIOS. NÃO INCIDÊNCIA.
O sócio cotista que receba pro labore é segurado obrigatório do RGPS, na qualidade de contribuinte individual, havendo incidência de contribuição previdenciária sobre o pro labore por ele recebido.
Não incide a contribuição previdenciária sobre os lucros distribuídos aos sócios quando houver discriminação entre a remuneração decorrente do trabalho (pro labore) e a proveniente do capital social (lucro) e tratar-se de resultado já apurado por meio de demonstração do resultado do exercício.- DRE.
Estão abrangidos pela não incidência os lucros distribuídos aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital social, desde que tal distribuição esteja devidamente estipulada pelas partes no contrato social, em conformidade com a legislação societária.
Dispositivos Legais: Lei nº 8.212/1991, art. 12, inc. V, alínea “f”; Decreto nº 3.048/1999 – Regulamento da Previdência Social – RPS, art. 201, caput e §§ 1º e 5º, incs. I e II; Lei nº 10.406/2002, arts. 997, incs. IV e VII, 1.007, 1.008, 1.053 e 1.054.
Portanto, pode-se afirmar que é lícito convencionar a distribuição de lucros de forma a não observar os percentuais de participação societária de cada sócio, de modo a criar um regime de incentivo que seja mais eficiente e adequado aos objetivos de cada empresa.
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