Um dos temas que mais preocupa os operadores é a necessidade de demonstração do feriado local, no ato de interposição dos recursos, prevista no art. 1.003, do CPC/2015: “O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão. § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”.
Quando li essa disposição pela primeira vez, me pareceu incoerente, pois em geral o CPC/2015 idealizava combater o excesso de formalismos do CPC/73 e interpretações adotadas pela chamada “jurisprudência defensiva”, as quais prejudicavam a aplicação do direito pelo excessivo apego à forma. Assim me manifestei em livro publicado em 2016 e nas edições subsequentes: “é de se lamentar, contudo, que o art. 1.003 tenha optado por exigir a prova do feriado local no ato de interposição do recurso. Trata-se de uma rara situação em que o CPC/2015 se tornou- mais formalista que o anterior, uma vez que a jurisprudência admitia a comprovação posterior, quando da interposição do Agravo Regimental. (…) Seria o caso de o Congresso Nacional agir para alterar o parágrafo sexto, em nome do acesso à justiça”.[1]
A disposição segue surpreendendo os advogados, embora muitos doutrinadores tenham postulado a aplicação do princípio da primazia do mérito e reclamado a incidência do art. 932, parágrafo único, para salvar recursos interpostos com desatenção à regra.[2] No momento em que vivemos, enfrentando o Covid, o assunto torna-se ainda mais importante, como será observado.
A razão de ser da necessidade de comprovação do feriado local é compreensível, afinal “a existência de recesso forense e suspensão de prazos processuais nos Tribunais de Justiça não se presume público e notório em âmbito nacional” (AgInt nos EDcl no AREsp 1553768/RJ, 2. T., Rel. Min. Mauro Cambell Marques. DJe 27/04/2020). Um catarinense não conhece de regra os feriados do Ceará, e vice-versa.
Salienta o STJ que “os feriados nacionais devem estar previstos em lei federal”. Portanto, “o dia de Corpus Christi é feriado local” (AgInt no AREsp 1622521/GO, 4. T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 02/03/2021); “a quinta-feira da semana santa, que antecede a sexta-feira da paixão, não é feriado nacional, por ausência de previsão legal, sendo considerada, por conseguinte, como feriado local caso haja a suspensão do expediente forense no Tribunal de origem, seja em razão de lei estadual ou municipal, seja por ato administrativo da Corte de origem” (AgInt nos EDcl no AREsp 1553768/RJ, 2. T., Rel. Min. Mauro Cambell Marques. DJe 27/04/2020).
A questão mais conhecida reside na segunda-feira de Carnaval, a qual embora seja considerada um feriado pela maioria (ou todos) dos Tribunais da Federação, para o STJ se trata de um feriado local, afinal em muitas Cidades brasileiras se trabalha normalmente nesse dia. Por isso, como relembra o Min. Sérgio Kukina “em 2/10/2019, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp 1.813.684/SP, reafirmou o entendimento segundo o qual o recorrente deve comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso (em sintonia, aliás, com a dicção do art. 1.003, § 6º, do CPC/15). Na mesma oportunidade, contudo, o Colegiado modulou os efeitos da decisão, ´de modo que seja aplicada, tão somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo` (que ocorreu em 18/11/2019). Posteriormente, em 3/2/2020, no julgamento de questão de ordem suscitada no âmbito do mencionado REsp 1.813.684/SP, a Corte Especial estabeleceu que a modulação de efeitos e a possibilidade de comprovação posterior da existência de feriado local não se aplicariam a todos os feriados, mas apenas à segunda-feira de carnaval” (AgInt no AREsp 1687712/SP, 1. T., Rel. Min. Sérgio Kukina. DJe 17/11/2020).
Em geral, os advogados se surpreendem quando, após a subida de Recurso Especial ou de Agravo em Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça realiza um novo exame de admissibilidade do recurso e conclui pela sua intempestividade, pois o feriado local não fora comprovado. Destaca a Ministra Regina Helena Costa que “é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual o juízo prévio de admissibilidade do Recurso Especial realizado na instância de origem não vincula esta Corte”. (AgInt no AREsp 1757567/SP, 1. T. DJe 11/12/2020).
A questão torna-se ainda mais delicada quando se indaga qual a forma adequada para se demonstrar um feriado local (ou a suspensão dos prazos pelos Tribunais Inferiores). Me parece que deveria ser valorizado o art. 197, do Código de Processo Civil, o qual afirma que as informações dos sites dos Tribunais gozam de presunção de veracidade e de confiabilidade.[3]
Todavia, alguns julgados se mostram extremamente formalistas e postulam a apresentação de “certidões” expedidas pelos tribunais de origem ou outro “documento oficial”.[4] Não é nada fácil, especialmente para os advogados que atuam longe das sedes dos Tribunais, conseguir tais certidões, em época de pandemia. Alguns julgados, ainda, consideram que não é suficiente “a mera remissão a link de site do Tribunal de origem em nota de rodapé do recurso considerado intempestivo”.[5]
Recentemente, tomei ciência de uma decisão que considerou que a “simples cópia do calendário judicial divulgado no site do tribunal local” não seria meio idôneo.[6] Esses calendários em geral são publicados em dezembro, nos sites dos Tribunais, após a aprovação pelos órgãos administrativos competentes. De seu turno, a cópia da lei municipal ou estadual é aceita, porém não são muitos os colegas que conhecem essa orientação.[7]
O resultado desse dilema costuma atingir a parte, justamente a quem o direito deveria proteger. Ao longo de 2021, serão apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelas demais Cortes recursos interpostos no período de pandemia. Sabe-se que a imensa maioria dos Tribunais da Federação reduziu os seus expedientes e muitas vezes fecharam as suas portas, para tentar proteger a saúde das pessoas. As tentativas de controle da proliferação do vírus abrangeram todos os Estados da Federação. Cada qual atuou de forma distinta, existindo poucos meses de “funcionamento normal” e muitos meses de medidas extraordinárias.
Espera-se que, quando o Superior Tribunal de Justiça analisar esses recursos protocolados no período da pandemia, seja cotejado o princípio do livre e efetivo acesso à justiça, para se permitir que a aferição da tempestividade seja feita com o uso das informações constantes nos sites oficiais, as quais são dotadas de presunção de veracidade (art. 197, CPC) e estão disponíveis a todos os usuários da internet, em especial as partes e os advogados.
É correta, no ponto, a seguinte decisão histórica da Corte Especial: “As cópias de atos relativos à suspensão dos prazos processuais, no Tribunal de origem, obtidas a partir de sítios eletrônicos da Justiça, contendo identificação da procedência do documento, ou seja, endereço eletrônico de origem e data de reprodução no rodapé da página eletrônica, e cuja veracidade é facilmente verificável, juntadas no instante da interposição do recurso especial, possuem os requisitos necessários para caracterizar prova idônea, podendo ser admitidas como documentos hábeis para demonstrar a tempestividade do recurso, salvo impugnação fundamentada da parte contrária”.[8]
Através de decisão monocrática, recentemente, a orientação foi ratificada pelo Ministro Luis Felipe Salomão: “o documento extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, juntado por ocasião do protocolo do apelo nobre (fls. 418-419) comprova a suspensão do expediente forense nos dias 24/05/2018, 25/05/2018, 28/05/2018, 29/05/2018, 30/05/2018, 31/05/2018 e 01/06/2018. Até o dia 23/5/2018, houve o transcurso de 11 dias úteis, e a contagem recomeçou em 4/6/2018 (seg) e se encerrou em 7/6/2018 (qui), ressoando, pois, tempestivo o recurso especial interposto em 6/6/2018 (qua)”. (AgInt no AREsp 1570212, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16.03.2021)
Ao manter essa linha, além de proteger a boa fé dos jurisdicionados e dos procuradores, o Superior Tribunal de Justiça mostrará coerência com a sua orientação, no sentido de que “a divulgação do andamento processual pelos Tribunais por meio da internet passou a representar a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do feito. A jurisprudência deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.”[9] Essa orientação é diuturnamente aplicada pela Corte.[10]
Em conclusão, se as informações equivocadas dos sites são valorizadas, com maior razão ainda as informações corretas o devem ser, para a adequada proteção das pessoas.
[1] Daniel Ustárroz & Sergio Porto. Manual dos Recursos Cíveis, p. 111. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020.
[2] Enunciado n. 66, da Jornada de Direito Processual Civil: “Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC”.
[3] Art. 197, do Código de Processo Civil: “Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade. Parágrafo único. Nos casos de problema técnico do sistema e de erro ou omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro dos andamentos, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 223, caput e § 1º “.
[4] Por exemplo: “A ocorrência de feriado local, recesso, paralisação ou interrupção de expediente forense deve ser comprovada por meio de documento oficial ou certidão expedida pelo tribunal de origem, não bastando a menção ao feriado local nas razões recursais ou a apresentação de documento não dotado de fé pública”. AgInt no REsp 1849541/RJ, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 03/09/2020.
[5] AgInt no AREsp 1681690/SC, 1. T., Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJe 18/12/2020.
[6] “Não é meio idôneo para comprovação da suspensão dos prazos processuais a simples cópia de calendário judicial divulgado no site do tribunal local”. AgRg no AREsp 1716583/AM, 5. T., Rel. Min. João Otávio de Noronha. DJe 17/12/2020.
[7] “De acordo com a jurisprudência do STJ, a comprovação da tempestividade do recurso deve ser realizada por meio de documentação idônea (cópia da lei, ato normativo ou certidão oficial do órgão de origem), não sendo suficiente a juntada de notícia extraída da internet, na qual sequer é apontada a fonte da publicação”. .AgRg no AREsp 748.093/PB, 2. T., Rel. Min. Diva Malerbi. DJe 12/02/2016.
[8] AgRg no Ag 1.251.998/SP, Corte Especial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 19/11/2010.
[9] REsp 1324432/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 10.5.2013.
[10] Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. FALHA DO SISTEMA NO TRIBUNAL DE ORIGEM. JUSTA CAUSA RECONHECIDA. PRECEDENTES. I – Na origem, trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do exercício de atividade especial em diversos períodos. Na sentença, julgou-se parcialmente procedente. No Tribunal de origem, o benefício foi concedido, sendo aplicados critérios de correção dos salários distintos daqueles vindicados. II – Nesta Corte, não se conheceu do recurso especial diante de sua intempestividade. Opostos embargos de declaração, aponta a parte embargante vícios no acórdão embargado. III – Verifica-se que a Corte de origem indicou, no andamento processual, o vencimento do prazo para interposição do recurso especial para o dia 20/2/2018, conforme o documento às fl. 405. IV – A informação equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal de origem pode ter induzido a erro a parte ora embargante, não sendo razoável que seja prejudicada por fato alheio a sua vontade. V – A Corte Especial, no REsp 1.324.432/SC, admitiu o uso das informações constantes do andamento processual disponíveis no sítio eletrônico do Tribunal de origem para aferição da tempestividade quando constatado erro na informação divulgada, hipótese em que se faz presente a justa causa para prorrogação do prazo. VI – Devem ser acolhidos os embargos para determinar o retorno dos autos ao gabinete, para o fim de julgamento do agravo em recurso especial. VII – Embargos de declaração acolhidos nos termos da fundamentação”. (EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1563799/PR, 2. T., Rel. Min. Francisco Falcão. DJe 02/12/2020)
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