ERRO SIMILAR AO DE CRASSUS NO STJ

Por Sérgio Porto

Marcus Licínius Crassus, general de notável participação política nos destinos da República Romana, na desastrosa batalha de Carras, cometeu erro grave que lhe custou a vida e este fato teria sido motivo de inspiração para a consagrada expressão erro crasso. Existiria um liame entre o adjetivo crasso (qualificação da densidade do erro) e Crassus.  Há, contudo, controvérsia sobre a procedência dessa vinculação. Para efeitos do presente, entretanto, pouco importa se a inspiração está na conduta de Crassus ou tem outra origem. A realidade é que a expressão consagra a ideia de erro grave.  

Todos os operadores, por óbvio, estão sujeitos a cometer erros pelo simples fato de serem humanos, como, aliás, ocorreu com Crassus.  Possível ocorrer, inclusive, na edição de enunciados que representam a consolidação de ideias por tribunais.

Nessa linha, em matéria ambiental, vale lembrar o enunciado 6231 do STJ que defere escolha ao credor na responsabilidade reparatória ambiental, como se isso fosse possível em razão da incidência da obrigação chamada propter rem, a qual, grosso modo, estabelece que o dever de manter a função socioambiental da propriedade acompanha o direito real. Dito de outro modo, o dono do imóvel é o responsável pela restauração da função socioambiental da propriedade, ainda que não tenha sido o causador de dano ocorrido. A súmula em questão amplia o alcance da responsabilidade ao proprietário anterior pelo simples fato de ter sido proprietário. Ou seja, ainda que não haja relação de causa e efeito entre a conduta do proprietário anterior e o dano, é possível que este venha a responder pelo evento ambientalmente danoso, muito embora o imóvel já não mais lhe pertença.

Ao consolidar essa orientação, dmv, se equivoca o Egrégio STJ, pois não distingue responsabilidades jurídicas de origens e propósitos distintos: (1) a de proprietário assentada na obrigação propter rem representada pelo dever de conservar a função socioambiental da propriedade e (2) a de autor do dano, assentada na relação de causa e efeito que enseja reparação patrimonial do dano. Realmente, ao admitir a responsabilidade do ex-proprietário levando em consideração unicamente essa sua condição jurídica e não a condição de autor de eventual dano ambiental, amplia indevidamente a seara de responsabilidades, outorgando à obrigação propter rem alcance que não tem e nem pretendeu ter. Não há como, com base na obrigação propter rem vincular a linha sucessória de titularidade do direito real a obrigação de restabelecer pela simples condição de ex-proprietário, na medida em que o novo dono é quem assume o passivo exatamente por ser o atual titular do direito real, preservando, contudo,  seu direito de regresso contra o autor do dano. É necessário, pois, rever essa orientação, antes que – justamente – abarrote o Poder Judiciário de discussões, assentadas no equívoco de compreensão do tema.

1 As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.

Related Posts