Embargos de declaração, multa e Maiakovski!

Embargos de declaração, multa e Maiakovski!

por Sérgio Gilberto Porto

Vladimir Maiakovski, conhecido poeta Russo, imortalizou sua existência através de talentosa obra literária, como por exemplo, quando expõe a ideia de que todos sabem que o coração tem domicílio no peito, porém, afirma que com ele a anatomia enlouqueceu, pois é todo coração!  Tão importante sua participação cultural que foi homenageado no Brasil através de poema de autoria de Eduardo Alves da Costa, com passagem muito repetida e, em inúmeras vezes, equivocadamente atribuída a autoria ao próprio Maiakovski … na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim, e não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.

De outro lado, a chamada jurisprudência defensiva tem estendido seus tentáculos para variadas situações, modo especial para, segundo se percebe na origem, inibir recursos infundados.  Não apenas por atrasarem o julgamento concreto, mas também por prejudicarem os jurisdicionados em geral que esperam justiça tempestiva. Entretanto, a automação das decisões de hoje, com repetições mecânicas e longe de reflexões, via assento em jurisprudência defensiva consolidada, é comportamento nocivo, por violar o livre exercício da advocacia. É exemplo dessa realidade a “ameaça” de aplicação de multa futura. Isso tem ocorrido quando o julgador intui que pode ocorrer novo recurso contra certa decisão e adverte que se houver, especialmente em caso de segundos embargos declaratórios, há a possibilidade de multa, em face de propósito protelatório, mesmo antes de conhecer as razões da futura inconformidade.

 Como é possível, antes de conhecer os fundamentos, afirmar que o recurso que ainda não foi deduzido será protelatório? Imagino como o homem do futuro se espantará quando, pesquisando sobre nosso tempo, se deparar com esse quadro!

Na verdade, essa orientação jurisprudencial, embora em sua gênese não tenha tido esse propósito, hoje, por automação, está a inibir o livre exercício da advocacia, na medida em que o sistema processual defere à parte o direito de recorrer e, por consequência, tal qual destacado na poesia em homenagem a Maiakovski, esse comportamento jurisdicional de apontar a possibilidade de multa de alguma maneira arranca a voz da garganta dos advogados. É preciso rever essa orientação incompatível com o Estado constitucional, na medida em que o advogado, por ser indispensável à justiça, deve ser livre para atuar.

Dez lições sobre união estável

por Daniel Ustárroz

O direito abre os olhos para uma realidade complexa e vai se amoldando às novas expectativas sociais. As relações afetivas seguem em constante transformação. Nunca houve uma forma universal de amar e ser amado. Felizmente, aos poucos, o direito abre os olhos para uma realidade complexa e vai se amoldando às novas expectativas sociais.

No que toca à união estável, ela mereceu proteção constitucional (art. 226, § 3º). Desde então, tribunais encontram respaldo constitucional para zelar pela proteção dos companheiros e, a partir de decisões inovadoras, moldaram os contornos jurídicos desse recente instituto.

A contribuição da jurisprudência sempre foi relevante no tema, uma vez que o Código Civil de 2002 dedicou apenas cinco artigos à união estável (arts. 1.723-1.727).

Por isso, gostaria de lembrar dez interessantes decisões do STJ a respeito da união estável que podem ajudar os companheiros a resolver questões que se repetem com frequência:

(1)    “A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável”. (AgRg no AREsp 649786/GO, 3. T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. DJE 18/08/2015).

(2)    Comprovada a separação de fato entre os casados, a existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável. (AgInt no REsp 1725214/RS, 2. T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques).

(3)    São incomunicáveis os bens particulares adquiridos anteriormente à união estável ou ao casamento sob o regime de comunhão parcial, ainda que a transcrição no registro imobiliário ocorra na constância da relação. (REsp 1324222/DF, 3. T., Rel. Min. Ricardo Cueva. DJE 14.10.2015).

(4)    A incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união estável não afeta a comunicabilidade dos frutos (art. 1.660, V, CCB). (REsp 1349788/RS, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJE 29/08/2014).

(5)    As verbas de natureza trabalhista nascidas e pleiteadas na constância da união estável integram o patrimônio comum do casal e, portanto, devem ser objeto da partilha. (AgInt no REsp 1696458/RS, 4. T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão. DJe 29.05.2018).

(6)    No período que antecede a percepção dos valores, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha. (REsp 1698774/RS, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 09/09/2020).

(7)    Os valores investidos em previdência privada fechada se inserem, por analogia, na exceção prevista no art. 1.659, VII, do CC/2002, consequentemente, não integram o patrimônio comum do casal e, portanto, não devem ser objeto da partilha. (REsp 1477937/MG, Rel. 3. T., Min. Ricardo Cueva. DJe 20/06/2017).

(8)    Na separação e no divórcio, o fato de certo bem ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por ausência de formalização da partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco, visto que medida diversa poderia importar enriquecimento sem causa. (AgInt nos EDcl no REsp 1683573/PR, 4. T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. DJe 02/05/2018).

(9)    A competência para apreciar o reconhecimento da união estável, nas ações em que se busca a concessão de benefício previdenciário é do Juízo Federal, pois o tema é enfrentado como prejudicial de mérito, não havendo usurpação da competência do Juízo de Família. (AgInt no AREsp 1175146/RJ, 1. T., Rel. Min. Napoleão Maia Filho. DJe 18/09/2020)

(10)  É de quatro anos o prazo decadencial para anular partilha de bens em dissolução de sociedade conjugal ou de união estável, nos termos do art. 178 do Código Civil. (AgInt no REsp 1546979/SP, 4. T., Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. DJe 16.04.2018)

Como se observa, o STJ vem diuturnamente interpretando e definindo os contornos jurídicos da união estável, proferindo decisões que podem servir de guia para a resolução dos casos que se multiplicam em todo o Brasil.

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