A (re)Interpretação Contemporânea do Estatuto da Terra na Relação Arrendador – Arrendatário

A (re)Interpretação Contemporânea do Estatuto da Terra na Relação Arrendador - Arrendatário

por Guilherme Porto

Primeiramente, é preciso destacar que o Estatuto da Terra foi editado no ano de 1964, possuindo um contexto absolutamente diverso da realidade atual. As proteções lá existentes, assim como seus pressupostos, já não refletem adequadamente a realidade que hoje se apresenta nas relações agrárias.

O Estatuto da Terra expressou preocupação com a proteção do arrendatário, uma vez que era a parte vulnerável na relação arrendador-arrendatário, criando uma série de requisitos básicos para a validade do contrato de arrendamento. Isso porque o arrendatário, naquele momento em particular, de fato experimentava uma vulnerabilidade. Diante disso, diversos mecanismos, como prazos mínimos, valores e forma de pagamento, bem como o próprio direito de preferência, materializaram essa proteção.  

Ocorre que passados mais de cinquenta anos da promulgação do Estatuto da Terra e com todas as consequentes mudanças culturais, sociais, jurídicas e econômicas, há um natural descompasso entre o texto legal e o contexto atual.

A evolução das relações jurídico-econômicas transformou a realidade das relações em que foi editado o Estatuto da Terra. Aqueles que antes ocupavam uma posição de vulnerabilidade (arrendatários) passaram, não raro, à posição dominante. Carece de sentido seguir conferindo proteção a quem não precisa. Referidas proteções, tornam-se especialmente perniciosas quando acabam trazendo mais dificuldades que benefícios, impedindo, em muitas ocasiões, a realização de contratos.

Assim, tendo em conta toda teoria contratual vigente, a qual é baseada em boa-fé, equilíbrio econômico, autonomia privada e na própria função social do contrato, apenas se justifica a manutenção das proteções efetivamente para aquele que, na relação concreta, se mostra efetivamente hipossuficiente.

Desta forma, há a necessidade de uma readequação interpretativa, onde o Estatuto da Terra e seu decreto regulamentador passem a ser lidos à luz da Constituição Federal, bem como à luz do Código Civil e de toda teoria contratual, a qual entrega às partes contratantes uma maior autonomia, protegendo apenas aquele que for efetivamente vulnerável.

Inexistindo mudança legislativa, assumem papéis importantes as Cortes supremas de nosso ordenamento, pois aptas a adequar a interpretação das proteções previstas em lei, trazendo para o contexto contemporâneo, aplicando-as da forma mais apropriada, permitindo maior liberdade negocial e conferindo a possibilidade de melhor adequação dos instrumentos contratuais a cada contexto social e regional.

Nessa linha, o precedente de relatoria do Ministro Sanseverino (REsp 1447082), é um marco axiológico importante, pois demonstra que a proteção materializada no direito de preferência não tem sentido se entregue àquele que está na posição mais forte da relação.

Em conclusão, a literalidade da lei não pode ser impeditivo para a evolução interpretativa. Se evidentemente a legislação está dissonante com a realidade, cabe aos tribunais e à própria doutrina indicar o caminho a ser seguido na busca de uma readequação jurídica, a qual permita a evolução e aperfeiçoamento das relações negociais.